
Na maioria das vezes eu finjo que aquele momento não ocorreu, que nunca desejei morrer, que sempre fui forte... mas essa lembrança sempre volta. Hora me assusta, hora me encoraja.
Minha vida estava caindo. Desempregada, vivendo de caridade alheia, grávida de uma pessoa totalmente problemática, acomodada e possessiva.
Não tinha ânimo nem para sair da cama. Minha casa era suja, escura, tinha um odor ruim. Os pratos ficavam na pia até formar mofo, e eu não tinha forças para sair do quarto, da escuridão. Somente chorava e me lamentava. A fraqueza que eu sentia era mental e fisica. Não era somente o meu corpo que estava caido; minha alma também estava. A dor era bem maior que eu, era maior que o mundo.
Olhava as demais pessoas e pensava: "como eu gostaria de ser ela" (qualquer pessoa, não fazia a menos distinção). Imaginava: "a vida dela é tão normal... Eu queria tanto uma vida simples e normal..."
Sentia-me só e humilhada. Vivia de favores dos outros. Sentia-me envergonhada por ter ficado grávida em uma situação tão complicada, e tendo como companheiro uma pessoa que estava tão ou mais deprimido que eu.
Tinha vontade de ir à luta, mas como? Grávida ninguém me daria um emprego. Mal podia sair da cama. Senti enjôos até o sexto mês de gestação. Passava o tempo todo deitada, sem comer, no escuro e no silêncio. Somente assim a náusea era um pouco menos intensa.
Meu então companheiro não queria trabalhar. Passávamos o dia inteiro trancados na escuridão, chorando, nos lamentando, pensando em como as coisas já foram melhores, e como nossa vida tornou-se uma total miséria. Eu tinha nele meu consolador e meu algoz. Se por um lado ele era a única pessoa que me ouvia e não me criticava, por outro, ele permitia que eu passasse por toda aquela miséria sem mover uma palha.
Quando éramos namorados, meu então companheiro tentou se matar duas vezes em minha frente quando tentei romper o relacionamento. Com medo de que ele fizesse uma tolice, cedi e permaneci com o namoro, e após, fomos morar juntos.
E lá estava eu... Grávida novamente e com uma filha pequena. Vivendo de esmolas, trancada em uma depressão, em uma tristeza e em uma escuridão tão grande, a qual eu nunca imaginei que eu um dia pudesse provar.
É engraçado que naquela época a gestação parecia eterna. Hoje eu vejo: era uma questão de tempo até o bebê nascer, eu arrumar um emprego, e resolver eu mesma a situação. Mas naquela época eu não conseguia ver uma luz no fim do túnel; para mim, aquela situação seria eterna.
Comecei a pensar que o melhor seria morrer. Quando era muito jovem, eu já havia pensado em suicidio quando perdi meu pai, mas agora a idéia havia voltado com força muito maior. A vontade de morrer tornou-se uma constante em minha mente. Aquilo tudo não tinha mais solução.
Pensei na minha filha tão amada, indefesa e pequena. Imaginei: Bem, a avó cuidará dela. Mas o pequeno ser que carrego em meu ventre?
Pensei, e respondi a mim mesma: farei o favor de não permitir que ela venha a este mundo miserável.
Fui até à cozinha, peguei a maior e mais afiada faca que achei, e tranquei-me no banheiro... Apenas eu, a faca e minha enorme barriga.
Mas e o medo de sentir dor? Bem, terei de suportá-lo...
Comecei a passar a faca bem lenta e fortemente pelo meu pulso. As forças eram ambíguas; se por um lado eu tinha medo de me ferir, por outro, queria acabar logo com aquele desespero...
E eu continuei... Tentei manter a mente o mais vazia possível para evitar que algum pensamento me fizesse mudar de idéia.
A sensação era de que eu estivesse em transe. Esforcei-me para manter a mente vazia. Aquela mesma mente tão cansada, mente tão sofrida... Cansada de tanta dor, de tanta humilhação, de tanto ódio de mim mesma, vergonha da minha condição...
Então baixei o olhar. Vi aquela barriga enorme. Eu me sentia a grávida mais horrível do mundo. Estava com mais de cem quilos, e não gostava da minha barriga de gestante.
Porém, ainda assim, olhando para aquela "coisa feia!", lembrei-me que ali dentro havia alguém que não pediu para nascer. Não pediu para estar ali. Lembrei-me de um aborto da adolescência... Do meu ódio de mim mesma por ter sido tão fraca e covarde... Por não ter permitido que aquele bebê viesse à luz...
Pensei: Vou matar outra vez o fruto do meu ventre?
Aquela pergunta ecoou tão fortemente dentro de mim, que senti de imediato uma náusea e um desespero enorme.
Observei detalhadamente aquela barriga enorme. Eu não estava necessáriamente linda, mas aquela jóia preciosa que habitava meu interior era tão especial, tão indefeso, mas ao mesmo tempo tão forte, que decidi continuar lutando. Continuaria por mim e por aquele pequeno ser que estava sendo formado dentro de mim
Olhei para o pulso. Ainda não estava totalmente lacerado, mas já apresentava um corte.
Cai em mim. Corri para a cozinha, joguei a faca na pia, lavei o pulso e o rosto, e disse a mim mesma: vou lutar mais um pouco. Não tenho forças, aparentemente está tudo destruído, mas eu vou tentar. Não sei se vou conseguir alguma coisa, mas continuarei lutando. Se não por mim, mas pelos meus filhos.
Naquela tarde eu decidi dizer SIM à vida, sim ao último fio de uma esperança sem fundamento lógico para mim, mas aquilo era tudo o que eu tinha.
Novas provas ainda me aguardavam, e posso garantir que foi tudo muito duro, mas eu dei a volta por cima.
Hoje ainda passo por momentos ruins, tenho frustrações, problemas, tristezas... tudo aquilo que qualquer ser humano tem, mas uma coisa eu lhe garanto: por pior que seja a vida, ainda vale a pena continuar lutando.
Quem tenta se suicidar não quer acabar com a vida, quer acabar com o sofrimento. Eu decidi levantar a bandeira da vida. Foi necessário bater de frente com a tristeza e com adversidade (com a qual bato de frente todos os dias), mas sei que viver AINDA é a melhor saída.
É preciso manter acesa a chama, por pior que seja a situação. Como diria a canção de Raul Seixas:
Dedico este post à minha filha (Gisele), que hoje é um anjo lá no céu. Continue pedindo a Deus por mim, minha querida. Perdoe-me por tudo.
(Depoimento cedido por O., mãe de duas crianças, em São Paulo)
Olhei para o pulso. Ainda não estava totalmente lacerado, mas já apresentava um corte.
Cai em mim. Corri para a cozinha, joguei a faca na pia, lavei o pulso e o rosto, e disse a mim mesma: vou lutar mais um pouco. Não tenho forças, aparentemente está tudo destruído, mas eu vou tentar. Não sei se vou conseguir alguma coisa, mas continuarei lutando. Se não por mim, mas pelos meus filhos.
Naquela tarde eu decidi dizer SIM à vida, sim ao último fio de uma esperança sem fundamento lógico para mim, mas aquilo era tudo o que eu tinha.
Novas provas ainda me aguardavam, e posso garantir que foi tudo muito duro, mas eu dei a volta por cima.
Hoje ainda passo por momentos ruins, tenho frustrações, problemas, tristezas... tudo aquilo que qualquer ser humano tem, mas uma coisa eu lhe garanto: por pior que seja a vida, ainda vale a pena continuar lutando.
Quem tenta se suicidar não quer acabar com a vida, quer acabar com o sofrimento. Eu decidi levantar a bandeira da vida. Foi necessário bater de frente com a tristeza e com adversidade (com a qual bato de frente todos os dias), mas sei que viver AINDA é a melhor saída.
É preciso manter acesa a chama, por pior que seja a situação. Como diria a canção de Raul Seixas:
"Tente! Não diga que a canção está perdida,
Tenha fé em Deus, tenha fé na vida.
Tente outra vez!"
Dedico este post à minha filha (Gisele), que hoje é um anjo lá no céu. Continue pedindo a Deus por mim, minha querida. Perdoe-me por tudo.
(Depoimento cedido por O., mãe de duas crianças, em São Paulo)